terça-feira, 19 de outubro de 2010

Não sabe dar títulos

É ateu e estudante de jornalismo. É uma garota. Mas na verdade o exposto começa há alguns anos, quando concluía o fundamental.
      Desde muito nova questiona praticamente tudo. Natural em uma criança. Natural também ter de reter-se à respostas de pais e professores levianos, típicos de um país de baixo nível de educação e de religião quase homogênea, pelo menos na forma de encarar as coisas, não as crenças propriamente ditas. Questionamentos a respeito de religião são sempre simplórios, e as respostas são mais ainda. O que a garota questiona hoje é o porquê das respostas simplórias, limitadas, escassas de certo modo. O que questionava antes era muito simples, e natural. Fez catequese dois anos. É de família católica. Dizia acreditar piamente e mostrava participação. Mas não sentia o que a diziam que deveria sentir. Continuou questionando e com o passar do tempo começou a esgotar paciência alheia. Logo mais frequentou cultos espíritas, cultos pequenos e familiares. Encontrou respostas que, para ela, faziam ainda menos sentido. Mais uma chance: passou uma semana em um acampamento evangélico, já no ensino médio. Se decidiu. Nada daquilo fazia sentido. E, por incrível que pareça, depois de ouvir opiniões, encará-las e aceitá-las por tanto tempo, depois de tolerá-las tanto tempo, viu-se discriminada. Sim, é essa a palavra. Não entendeu a princípio, achava que o que lhe havia sido ensinado era a ter “cabeça aberta”, saber ouvir, compreender, refletir. Depois de tantos conceitos como esse praticamente enfiados goela abaixo, esperava pelo menos uma discussão, não um decreto. "Não aceito. Você vai mudar opinião um dia. Está lendo livros esquisitos demais. Acho que são essas amizades."
      Hoje não pode tocar no assunto em casa. Não pode tocar no assunto na escola ou faculdade. Não pode tocar no assunto no trabalho. Não pode tocar no assunto com os amigos. Religião, o assunto. E o pode aqui não quer dizer “não ter permissão”; quer dizer “não conseguir”. Não porque não consegue falar. Não consegue achar quem ouça.
      Entende, então, que a sociedade manipula-se a si própria. Tem toda a liberdade de “desalienar-se” e escolher. Como escolher se não procura opções? Se não ouve opções? Não encara opções?
      Aprendeu na Universidade que ideologias, conceitos e tudo o mais não são injetados, muitas vezes, graças ao poder de discernimento, à consciência própria. Mas a garota, refletindo agora, compara os seres que se dizem pensantes e intelectualmente autônomos a usuários de heroína. Injetam por conta própria, com a agulha que compraram e escolheram. Manipulam-se, por vontade própria, isolados em si mesmos.

Crônica produzida para a disciplina Teorias da Comunicação I.

Um comentário:

  1. Opa muito legal o seu blog, vc nunca falou dele... mas enfim continue publicando e publicando e publicando... jornalismo de impressões.

    Abs

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